"Meu namorado tem Aids. Eu não": como um casal gay lida com esta situação
Ao todo são cinco anos de envolvimento, muita cumplicidade, algumas desavenças, altos e baixos, mas sempre repleto de amor. A história dos maranhenses Jadilson Patrick, de 28 anos, e seu parceiro Uchoa*, de 24, poderia ser contada como qualquer outra história de amor. Mas esta tem um ingrediente a mais: o HIV. Tudo começou em 2011, quando o "cupido" Rodolfo Henrique, amigo em comum do casal, decidiu apresentar um ao outro. Foi uma espécie de amor à primeira vista, logo no primeiro encontro. Depois de muita conversa, eles oficializaram o relacionamento.
Na época, Jadilson já sabia que era soropositivo, mas decidiu não revelar. "Não me sentia confortável para falar sobre o HIV, queria contar aos poucos, explicar antes o que sabia sobre a doença." Passaram-se dois meses e Uchoa, depois de saber que Jadilson integrava o movimento social de luta contra a Aids, decidiu buscar mais informações sobre o assunto. Com umas buscas no Google, ele acabou descobrindo uma reportagem em que o namorado revelava sua sorologia positiva.
"Foi uma fase difícil no relacionamento. Éramos imaturos. Uchoa me ligou desesperado, pensou que eu poderia ter infectado ele. Tentei explicar que era impossível essa hipótese, não tinha rolado nem sexo ainda", contou. "Lembro que eu chorava muito ao telefone e tentava acalmá-lo. Ele não estava preparado para essa notícia, não tinha informações sobre a doença, foi um desastre", contou.
O resultado: fim do relacionamento. No mesmo dia em que Uchoa descobriu tudo, Jadilson foi encontrá-lo. "Estava ansioso para acalmá-lo e esclarecer alguns pontos. Conversamos um pouco e ele me disse uma frase que marcou: 'Eu preferiria morrer a ter Aids'. Para mim, foi o fim, não tinha sentido continuar este relacionamento, aquilo me machucou. Eu não queria morrer. Eu luto diariamente contra o HIV para sobreviver."
Como bom militante da causa, Jadilson desistiu do relacionamento, mas não de tentar informar Uchoa sobre o HIV. "Ele precisava saber que era possível manter um relacionamento seguro com uma pessoa vivendo com HIV sem se infectar." Num relacionamento sorodiscordante, quando um dos parceiros vive com HIV/Aids e o outro não, o mais importante, dizem os especialistas, é o diálogo. Se o amor é maior do que o HIV, como era nesse caso, é possível uma reviravolta na história. E foi o que aconteceu.
O recomeço
A separação durou cerca de dois anos, até o final de 2013. Na reconciliação, mais uma vez, o "cupido" Rodolfo entrou em ação. "Eu lutava contra os meus sentimentos. Não queria reencontrar o Uchoa com medo da chama da paixão reacender. Eu sabia que ele sempre perguntava por mim, queria saber sobre minha saúde. Até que um dia nosso cupido resolveu nos unir novamente. Encontrei o Rodolfo depois de uma prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e ele me chamou para ir numa lanchonete. Rodolfo sabia que o Uchoa estaria lá e só me avisou um pouco antes de chegarmos ao lugar. Decidi encarar o desafio e reencontrá-lo."
O impacto, segundo Jadilson, foi positivo. "Pude observar que ele tinha outra postura com relação a mim e à minha sorologia. Ele me pareceu mais informado, sem medo, sem preconceito." Na mesma noite, o casal reatou o namoro e decidiu lutar junto contra a Aids. "Com a retomada, meu companheiro passou a acompanhar de perto a minha saúde. Ele sempre vai às consultas comigo, me ajuda na adesão ao tratamento, está ligado aos meus horários de medicação. Às vezes, preciso mandar fotos para ele para provar que tomei o remédio na hora. O relacionando mudou da água para o vinho."
"Com a nossa reaproximação, eu passei a ter mais informações sobre a Aids, pois me aproximei dos médicos e psicólogos que acompanham meu namorado", conta Uchoa. "Também passei a participar de encontros de jovens vivendo com HIV e fiquei seguro sobre me relacionar com um namorado positivo. Vencemos a barreira do sexo e mantemos uma relação sexual saudável, com o uso do preservativo."
Campanha inspiradora
A campanha do Dia Mundial de Luta Contra a Aids de 2009, do Ministério da Saúde, que tem o slogan: "Um deles tem HIV. O outro sabe. Viver com Aids é possível, mas com o preconceito não" foi uma peça inspiradora para o casal. "Essa publicidade disse tudo o que precisávamos ouvir e sempre a usamos como exemplo."Hoje, a harmonia e a felicidade tomam conta do casal. "Eu até engordei. Adoramos sair para comer. Um dia, enquanto comíamos uma pizza aqui em São Luis doMaranhão, o Uchoa olhou para o céu e disse que estava me dando a lua de presente. Ninguém nunca tinha feito isso por mim. Me senti muito amado."
Com relação à Aids, o namoro também só trouxe benefícios para o tratamento. "Meu CD4 [contagem das células de defesa do organismo] hoje é maior do que 500 e minha médica está satisfeita. Antes eu não consegui passar dos 300."
A rotina sem repetições
A regra do casal é não ter rotina. Nas horas vagas, eles aproveitam para viajar, ir ao cinema, teatro, praia. Gostam também de ouvir músicas -- preferem MPB ou eletrônica. Para este Dia dos Namorados, o destino é Lençóis Maranhenses. "Vamos celebrar o amor num lugar fantástico", diz Jadilson. O casal também já programou outras viagens. Em agosto, eles vão conhecer Alagoas e, no mês seguinte, vão a Salvador. Questionado sobre o futuro, o ativista é muito rápido para responder: casamento. "Ainda estamos na universidade, eu termino no próximo ano meu curso de enfermagem e ele, o de direito. Vamos nos programar para ter uma estabilidade financeira, comprar um espaço nosso e morar juntos."
* O entrevistado pediu para ser identificado apenas como Uchoa